quarta-feira, 24 de agosto de 2011

PECADOS E COMPORTAMENTOS AUTO-DESTRUTIVOS

Interessante como as coisas se misturam na vida. Cá estou a ler “Masters of the Mind “do Millon, que numa tradução direta é “Os Mestres da Mente”, livro escrito num pedantismo acadêmico intolerável, mas por outro lado  interessantissimo pois traz a história das idéias e atitudides a respeito de “loucura” desde priscas eras até o presente. 

Pois estava na parte da dominação da Igreja Católica, cuja definição de insanidade era a “fraqueza moral”ou excesso de pecado, com a velha separação dos tais em veniais, mortais e capitais (separação esta que ainda peguei no primário), quando eis que me chega o e mail do artigo de comportamentos auto-destrutivos.
Fiquei a pensar como as coisas dão imensas voltas para chegar mais ou menos ao mesmo lugar, ou como tão bem disse o principe no Ïl Gattopardo”: “Quanto mais as coisas mudam, mais elas se tornam as mesmas”.
O conceito de pecado era difícil de entender para uma criança de 7 anos no tal curso de preparação para primeira comunhão,  até que meu avô me explicou que pecado, era qualquer coisa que eu fizesse contra mim mesma, alguma outra pessoa, ou a destruição sem sentido da natureza. 

Ficou fácil. Velho vô tinha idéias bem adiante de seu tempo, o que, algumas vêzes ao repeti-las para platéias menos esclarecidas, arranjei encrenca, como quando, horrorizada pela idéia que, se mordesse a óstia, dela sairia o sangue de Cristo, e considerando que não ia me tornar uma antropófaga (índios de cor muito escura que comiam os missionários ingleses lá longe, na Africa, conforme tinha me ensinado minha mãe), anunciei que não ia fazer primeira comunhão, nem segunda nem nenhuma.
Chamado que foi o conselho de guerra familiar, avô foi o único que teve a idéia de me perguntar o por que da decisão, não que se preocupasse mínimamente com minha primeira comunhão, posto que era ateu e anarquista, graças a Deus, como bem escreveu a Zélia Gattai, mas porque razão para ele, era de importância fundamental. 
Assim que expliquei o problema da óstia hemorrágica, e o resto da familia começou a se retirar do recinto (agora sei que eles iam rir nos quartos), nonno me informou que provavelmente eu não tinha entendido direito o que a freira tinha explicado. Comunhão, explicou, é o que famílias fazem todas as noites, ao jantar, quando o pai divide o pão. Ë o símbolo de união, repartir e comer o pão, juntos.
Como ia ter que ter muito pão para cada missa, os padres inventaram as óstias, que nada mais são que pedacinhos de pão, do qual a família católica come um pedaço em união.
Aha! Maravilha, tudo explicado, deveria ter me dado por satisfeita, mas não, pensei que as outras coleguinhas deveriam estar passando pelas mesmas e tormentosas dúvidas, e, como não sabia se elas tinham um avô-enciclopédia feito o meu, fui espalhar a boa nova. 
Claro, a freira ouviu, e claro, fui parar na sala da madre superiora, de nome inesquecível. Como pode alguém adotar um nome como Maria Imelda?
E, naturalmente, toda a família foi chamada para, penso eu, levar um pito por  deseducar uma pobre inocente criança.
Assim que, quando ao me preparar para a confissão e fazendo minha lista de 3 colunas  Veniais- Mortais –Capitais, eis que sou assaltada por outra dúvida: Terei pecado de Luxúria?
As freiras diziam que se pecava por pensamentos, palavras e obras. 
Meu avô discordava do pensamento, pois, dizia ele, pensamento é a única real liberdade que possuimos, e sempre encerrava o argumento cantando o “Vá Pensiero”com sua lindíssima voz de tenor. 
Tendia a concordar com ele, mas, naquele momento, não queria correr o risco de outra chamada na sala da madre superiora nem , só por distraida, ir parar no purgatório, aquela clínica de desentoxicação para alminhas nem tão puras pra subir direto, nem tão imundas pra descida eterna.

Continuava o fato de não fazer idéia de que diabos fosse a tal, assim que a coloquei na coluna Capitais, com ponto de interrogação.
E lá vou ao confessionário.
Vai tudo nos conformes até perguntar pro padre como saber se tinha pecado de Luxúria.
Súbitamente, o confessionário começou a chacoalhar, e de lá de dentro saíam estranhos sons, o que me assustou sobremaneira, pois não só corria o risco de ser uma luxurienta, como também de ter matado o padre de puro horror (ah o narcisismo fantástico de nossa infância!). 
Minhas pancadas e gritos de “padre, padre, o que está acontecendo?”, so pioraram o tremelicar e os sons, que finalmente reconheci como a mais sonora gargalhada, com o rotundo prelado a sair da caixa, largar-se num banco da igreja, tirar do bolso da batina um enorme lenço branco e enxugar os olhos e os óculos.
Fui sumáriamente dispensada com um : “Vai em paz...qua qua qua qua...minha filha...quuuuuuaaaaaaaaaa...estás mais do que perdoada”...sem sequer um pai nosso.
Aprendi naquele momento que, se você fizer o padre rir, mesmo que não entenda o por que, é um jeito certo e seguro de estar a caminho do céu.
E agora vai ler a nova definição científico-comportamental de pecado: Comportamento auto-destrutivo. Tá logo ali, na página ao lado.

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