Vou fazer 15 anos.
Todos esses obas estão
relacionados não exatamente a data, mas a toda comoção que vem ocorrendo aqui
em casa nos últimos tempos.
Conversas entre adultos, daquelas que,
teoricamente, as crianças não podem ouvir, e que, obviamente, são as mais
ouvidas, e onde, o que não é ouvido, é deduzido, e o que não pode ser deduzido
é inventado.
Vai daí que o grande problema era meu “debut
“no clube da cidade.
Minha mãe, embora achasse que fosse cedo,
pois na Europa é só aos 18, também achava que, diferentes países, diferentes hábitos.
A que vos fala tinha que ser formalmente
apresentada à sociedade, em mais um valente esforço materno para me tornar uma versão
sardenta da Grace Kelly, ou como mamãe a chamava, Principessa Grace. Para mal de
seus pecados (os dela, minha mãe), seus esforços pouco efeito estavam surtindo,
de forma que ela só podia continuar tentando.
Por seu lado, meu pai considerava que a
menina já conhecia toda a sociedade que merecia ser conhecida, a saber, família
e amigos da mesma, e, além de tudo, não gostava nem um pouco da ideia de
embrulhar sua menina para presente, e dá-la em pasto aos olhares, com certeza maléficos,
dos mancebos presentes à ocasião.
A manceba aqui, tendo recentemente vencido
uma queda de braço a respeito de fazer medicina, por uma vez na vida absteve-se
de investigar a questão, mantendo-se alegremente fora da saraivada de olhares
prenhos de significado, trocados entre:
a)
todas as mulheres da família, mais madrinha e
b)
todas as mulheres contra meu pai.
Mantive-me fora até o dia de Santo Antônio.
Nonna e nonno maternos chegados no dia
anterior, no alvor da madrugada partem mamãe e tia-avó para o Convento, para
pegar os pães do santo, pães esses distribuídos mais tarde, da seguinte forma:
a) Os
a serem comidos pela família
b) Os
a serem distribuídos
c) O
a ser posto na lata do açúcar, retirando-se o velho,
do ano anterior
d) A
distribuição do antigo pão entre periquitos, papagaios, passarinhos vários,
patos e paturis, enfim, toda a fauna ornitológica que habitava o sítio, e nunca
soube por que cavalos, cães e gatos não ganhavam nem uma lasquinha.
e) Saída
das duas avós e tia-avó com sacos de pão a serem distribuídos de forma ampla,
geral e irrestrita pelo bairro.
f) Retorno
das acima citadas com relatório de nascimentos, mortes, doenças, quem precisava
de comida/roupa/sapato/remédio
g) Mamãe
e eu escrevendo lista de nomes e necessidades a serem preenchidas por ordem de urgência.
E, finalmente, todos
sentados a mesa, descrevo a configuração:
Pai e avô materno, as
cabeceiras
A esquerda de papai,
vinha na seqüência, mamãe, vó paterna, vó materna.
A direita, meu irmão,
eu e minha tia-avó.
Quebra e distribuicao
do pão.
Silêncio.
Papai e vovô trocam olhares.
Dá pra ouvir ao fundo o rufar
dos tambores, pelo menos na minha imaginação, e finalmente, lá vem papai:
“Minha filha (ai,
penso eu, pepino, pois meu pai costumava chamar-me com vários apelidos, de
banana a divisão panzer, dependendo da ocasião, sendo o formal “minha filha”,
reservado para situações seríssimas), como você esta próxima de um marco muito
importante na vida que é fazer 15 anos, e juro pela alma de meu pai que não sei
por que tanta importância, mas como sua mãe, suas avós, tia-avó e madrinha
insistem que é, vai que é mesmo. Então, você vai ter que fazer uma escolha. Como
seu avô e eu achamos que um bom presente para essa data é mandá-la por 3 meses
para a Itália nas suas férias de fim de ano, e como não tenho dinheiro
suficiente para mandá-la e para pagar pelo debut no clube, você tem que
escolher agora, entre um ou outro”.
Silêncio mortal
abateu-se sobre o ambiente, e o único que continuou a comer, alegre e contente,
e jamais saberei como é que cabia tanta comida naquela magreza, foi meu irmão,
na santa inocência de seus quase 11 aninhos.
E, de repente, a
realidade da coisa me atingiu: eu ia para a Itália! Ia andar de avião! Ia rever
a casa onde tinha nascido! Ia conhecer (ou reconhecer) as 3 virgens da praça,
que era como meu pai chamava suas 3 primas que moravam com a mãe, de frente pra
praça. Ia poder checar se no chapéu de Cabeção, apelido de outro primo de meu
pai, realmente cabiam 12 laranjas!Ia ver neve, branquinha e fofa!
Senhor, era
felicidade total, que exprimi numa frase:
“Itália, prepare-se,
que aqui vou eeeeeeeeeeeeeeeeeuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!”
Sorriso beatífico
espalhou-se pela cara dos dois sentados a cabeceira, enquanto olhares
dardejantes eram trocados entre o batalhão feminino.
E o sorriso foi
apagado da cara de ambos, poucas semanas depois, quando receberam a lista de
tarefas que teriam que desempenhar na preparação da festa de meu aniversário, a
qual seria em casa e não no clube, tudo bem, mas:
a) Toda
a sociedade que, segundo eles já conhecia, teria portanto que ser convidada. Coisa
pouca, uns 200 (info provinda de mamãe)
b) Haverá
que arranjar 15 castiçaizinhos, com velas combinando, para as meninas que dançariam
a valsa dos 15 anos (info fornecida por madrinha, já a fazer lista dos dançantes)
c) Como
agosto é mês sem flor e como não pode existir festa sem elas, haveria a
necessidade de manufaturar as mesmas, o que ia requerer toneladas de tule, seda
e arame para a estrutura (informação de tia-avó, já com o esquema de que flores
e plantadas onde, prontinho)
d) Caberia
a nonno e papai, como homens da família, cortar e soldar as estruturas florais,
sob orientação especifica de tia-avó, a criadora das supracitadas (info de vó
materna)
e) Necessidades
de varias viagens para e de São Paulo, para dar conta das necessidades de
funghi, prosciutto e outras especiarias não encontradas no Mercado de Taubaté,
na época (info de vó paterna)
E que festas foram! Ambas.