sábado, 25 de agosto de 2012

DIÁRIOS DE BELL

Presentão de aniversário: ganhei uma paralisia de Bell, também conhecida como paralisia facial perférica do tipo idiopático ou mononeuropatia facial. E que ninguém me diga que nós neurologistas não gostamos de nomes múltiplos, só pra atrapalhar todo mundo.

Foi assim: ontem, estava a escovar os dentes, primeira atividade logo após sair da cama e, ao me olhar no espelho, descubro o lado direito de minha boca totalmente virado para baixo.

"PQP, SHIT!, MONDO SCHIFOSO, FOTTUTO E CANE, É DERRAME" pensei eu.

Comecei a rodar a lingua, normal; levantei os braços, normal; enunciei os pensamentos acima, normal.

Atéia filosófica que sou, agradeci profundamente a Deus e à vida por ter me mandado  "só uma paralisia periférica"ao invéz de um derrame.

E ai, comecei a rir de duas coisas: 1-sob stress, tendo a soltar palavrões em várias línguas, completamente diferente do meu dia a dia, onde quase não uso, e 2- gratidão é uma coisa interessante e muito relativa.

E hoje, primeiro dia após diagnóstico oficial por outro neuro, que não sou nem besta de fazer auto-diagnóstico e auto- medicação,vamos às adaptações.

Primeira coisa, andada com cachorro.

Descubro, de saída, que minha visão está comprometida, com a pálpebra direita toda caida em cima do olho, de formas que a caminhada na trilha em volta de condomínio fica muito mais lenta que de costume.

Fico maravilhada com a percepção dessa canina rubra, que costuma correr toda a extensão da corda dela, e hoje ela só dá uma corridinha sem me perder de vista, e, ao invéz de esperar que eu a alcance, como de costume, volta para onde estou.

Terminamos a trilha, e vamos à caminhada interna. Sentamos um pouco no gramado, para observar uma única nuvem no céu, em forma de F, que vai se dissolvendo em forma de renda.

E começo a pensar nas pequenas maravilhas diárias que deixo passar batidas, porque se não vejo hoje, estarão lá amanhã. Mentira.

Ouvimos barulhos de bolas e vamos à quadra de tênis, onde Bella, sem qualquer pejo ou pudor, se assenta no banco a assistir um indú, sêco como a caatinga e portando shorts e turbante de côr púrpura, está destroçando um flórido, loiro e rosado nativo portando shorts xadrez nas cores azul, vermelho e dourado, que de tão chocantes, tenho certeza que alevantaram até minha decaída pálpebra.

O problema começa quando Bella decide atuar como "pegadora", correndo para catar as bolas na rede ou que caiam fora da quadra. 

Cá estou tentando explicar à dada criatura que não é pra fazer isso, quando noto que os jogadores estão jogando as bolas prá ela, e em segundos estão os 3 a correrem pela quadra, felizes.

Aprendizado: problema sob meu ponto de vista, farra sob o ponto de vista de outrém.

E é hora de tomar café, e horror dos horrores, tô babando!

Óbviamente estarei fora do circuito "jantar fora"pelo tempo que esse incômodo durar.

Lado bom é que sentido do gosto não sofreu qualquer alteração. 

Viva! Continua sendo um prazer o cheiro e gôsto de um bom café, e afinal, foi prá isso mesmo que inventaram guardanapos, pois não?

Um viva a Einsten e sua teoria da relatividade.

Ter me pego feliz e agradecida porque, apesar da cara paralizada, é só paralisia periférica e não derrame, é a prova cabal de que, a única coisa absoluta nesta vida, é sua relatividade.
 

2 comentários:

  1. Essa sua qualidade de se divertir no drama, de relativizar o trágico, de refletir em momento de estresse, me encanta profundamente e me ensina como crescer como pessoa....rir de si próprio é uma arte tão sadia que nos torna leves em todas as situações. Torço pela sua rápida recuperação!

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