quinta-feira, 3 de maio de 2012

Vou fazer 15 anos. Todos esses obas estão relacionados não exatamente a data, mas a toda comoção que vem ocorrendo aqui em casa nos últimos tempos. Conversas entre adultos, daquelas que, teoricamente, as crianças não podem ouvir, e que, obviamente, são as mais ouvidas, e onde, o que não é ouvido, é deduzido, e o que não pode ser deduzido é inventado. Vai daí que o grande problema era meu “debut “no clube da cidade. Minha mãe, embora achasse que fosse cedo, pois na Europa é só aos 18, também achava que, diferentes países, diferentes hábitos. A que vos fala tinha que ser formalmente apresentada à sociedade, em mais um valente esforço materno para me tornar uma versão sardenta da Grace Kelly, ou como mamãe a chamava, Principessa Grace. Para mal de seus pecados (os dela, minha mãe), seus esforços pouco efeito estavam surtindo, de forma que ela só podia continuar tentando. Por seu lado, meu pai considerava que a menina já conhecia toda a sociedade que merecia ser conhecida, a saber, família e amigos da mesma, e, além de tudo, não gostava nem um pouco da ideia de embrulhar sua menina para presente, e dá-la em pasto aos olhares, com certeza maléficos, dos mancebos presentes à ocasião. A manceba aqui, tendo recentemente vencido uma queda de braço a respeito de fazer medicina, por uma vez na vida absteve-se de investigar a questão, mantendo-se alegremente fora da saraivada de olhares prenhos de significado, trocados entre: a) todas as mulheres da família, mais madrinha e b) todas as mulheres contra meu pai. Mantive-me fora até o dia de Santo Antônio. Nonna e nonno maternos chegados no dia anterior, no alvor da madrugada partem mamãe e tia-avó para o Convento, para pegar os pães do santo, pães esses distribuídos mais tarde, da seguinte forma: a) Os a serem comidos pela família b) Os a serem distribuídos c) O a ser posto na lata do açúcar, retirando-se o velho, do ano anterior d) A distribuição do antigo pão entre periquitos, papagaios, passarinhos vários, patos e paturis, enfim, toda a fauna ornitológica que habitava o sítio, e nunca soube por que cavalos, cães e gatos não ganhavam nem uma lasquinha. e) Saída das duas avós e tia-avó com sacos de pão a serem distribuídos de forma ampla, geral e irrestrita pelo bairro. f) Retorno das acima citadas com relatório de nascimentos, mortes, doenças, quem precisava de comida/roupa/sapato/remédio g) Mamãe e eu escrevendo lista de nomes e necessidades a serem preenchidas por ordem de urgência. E, finalmente, todos sentados a mesa, descrevo a configuração: Pai e avô materno, as cabeceiras A esquerda de papai, vinha na seqüência, mamãe, vó paterna, vó materna. A direita, meu irmão, eu e minha tia-avó. Quebra e distribuicao do pão. Silêncio. Papai e vovô trocam olhares. Dá pra ouvir ao fundo o rufar dos tambores, pelo menos na minha imaginação, e finalmente, lá vem papai: “Minha filha (ai, penso eu, pepino, pois meu pai costumava chamar-me com vários apelidos, de banana a divisão panzer, dependendo da ocasião, sendo o formal “minha filha”, reservado para situações seríssimas), como você esta próxima de um marco muito importante na vida que é fazer 15 anos, e juro pela alma de meu pai que não sei por que tanta importância, mas como sua mãe, suas avós, tia-avó e madrinha insistem que é, vai que é mesmo. Então, você vai ter que fazer uma escolha. Como seu avô e eu achamos que um bom presente para essa data é mandá-la por 3 meses para a Itália nas suas férias de fim de ano, e como não tenho dinheiro suficiente para mandá-la e para pagar pelo debut no clube, você tem que escolher agora, entre um ou outro”. Silêncio mortal abateu-se sobre o ambiente, e o único que continuou a comer, alegre e contente, e jamais saberei como é que cabia tanta comida naquela magreza, foi meu irmão, na santa inocência de seus quase 11 aninhos. E, de repente, a realidade da coisa me atingiu: eu ia para a Itália! Ia andar de avião! Ia rever a casa onde tinha nascido! Ia conhecer (ou reconhecer) as 3 virgens da praça, que era como meu pai chamava suas 3 primas que moravam com a mãe, de frente pra praça. Ia poder checar se no chapéu de Cabeção, apelido de outro primo de meu pai, realmente cabiam 12 laranjas!Ia ver neve, branquinha e fofa! Senhor, era felicidade total, que exprimi numa frase: “Itália, prepare-se, que aqui vou eeeeeeeeeeeeeeeeeuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!” Sorriso beatífico espalhou-se pela cara dos dois sentados a cabeceira, enquanto olhares dardejantes eram trocados entre o batalhão feminino. E o sorriso foi apagado da cara de ambos, poucas semanas depois, quando receberam a lista de tarefas que teriam que desempenhar na preparação da festa de meu aniversário, a qual seria em casa e não no clube, tudo bem, mas: a) Toda a sociedade que, segundo eles já conhecia, teria portanto que ser convidada. Coisa pouca, uns 200 (info provinda de mamãe) b) Haverá que arranjar 15 castiçaizinhos, com velas combinando, para as meninas que dançariam a valsa dos 15 anos (info fornecida por madrinha, já a fazer lista dos dançantes) c) Como agosto é mês sem flor e como não pode existir festa sem elas, haveria a necessidade de manufaturar as mesmas, o que ia requerer toneladas de tule, seda e arame para a estrutura (informação de tia-avó, já com o esquema de que flores e plantadas onde, prontinho) d) Caberia a nonno e papai, como homens da família, cortar e soldar as estruturas florais, sob orientação especifica de tia-avó, a criadora das supracitadas (info de vó materna) e) Necessidades de varias viagens para e de São Paulo, para dar conta das necessidades de funghi, prosciutto e outras especiarias não encontradas no Mercado de Taubaté, na época (info de vó paterna) E que festas foram! Ambas.

Amo desculpas.

Venho-as colecionando há sei lá quantos anos.

Minhas e de quem mais se der ao trabalho de produzi-las.

Desculpas que fazem o maior sentido, chamam-se razões.

A razão pela qual fui ser médica, foi minha vocação, e agarro-me a ela com todas as fôrças, embora lá no fundo esteja plenamente conciente que, a) ainda não entendo bem o significado de vocação e, b) não acredito nela. 

O pensamento lógico que me assalta, de quando em vez, com sua voz estridente de grilo falante, me diz que a coisa aconteceu feito receita de bolo:

- Junte-se meio quilo de curiosidade, duas colheres de sopa de prazer de aprendizado puro, um copo de prepotências, daquelas que vem do fato de Medicina ser reconhecidamente a mais difícil das faculdades, uma tonelada de desejo de ser diferente de todo mundo na família, uma pitada de pensamento alucinatório a respeito do poder sobre a vida e a morte, completo desconhecimento da realidade a gôsto, cozinhe-se  a mistura no fogo alto da adolescência...e pronto, deu nisso.

Prefiro a tal da vocação.

Embora, segundo a Bíblia, tenha sido um homem a inventar a desculpa primeva - Adão em: desculpe Senhor, mas foi a mulher quem me tentou - nós mulheres elevamos o primitivismo masculino à categoria de arte, com A maiúsculo, e não à toa, Civilização é uma palavra feminina.

Nossa desculpa é que tivemos que sobreviver a milênios de subjugação masculina. Então tá.

Taí Helena de Tróia, que foi desculpa para uma guerra, mas até lá, divertindo-se à larga, sendo a desculpa dela de ter sido raptada por Páris.

Não esqueçamos de Electra, que fez com que a anta do irmão matasse a mãe e o amante dela, com a desculpa: acho que mamãe mandou matar papai, por conseguinte...

O problema da desculpa é sempre o "por conseguinte", o que jamais combina quando observado a partir de um ponto de vista desapaixonado, isso sempre que um ponto de vista consiga ser desapaixonado, o que também nunca vi.

Só vencedores não tem desculpas.

Jamais se ouviu um Bill Gates da vida dizer: "Eu inventei a Microsoft porque mamãe me dava cascudos quando era criança e dizia que não ia ser nada na vida...mostrei pra danada".

Ou um ganhador do Oscar, que agradece até a maçaneta da porta que abriu direitinho, mas certamente não dá desculpas.

E talvez gratidão seja o grande antídoto para as desculpas da vida.

É um ponto de vista, cheio de paixão, a minha, e por conseguinte, deve ser verdade.

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